AS BRINCADEIRAS SÃO IMPORTANTES PARA O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA




Mais do que entreter a criançada, o brincar alicerça as aprendizagens dos elementos mais complexos de nossa psique

“Isso é brincadeira de criança!” Geralmente dizemos essa frase para referir a algo simples de ser feito, coisa fácil e desimportante. De modo geral, brincar significa o que a criança faz quando tem tempo sobrando, “quando não tem nada para fazer”. É bastante comum perceber que nas escolas o lúdico passou a ser sinônimo de divertido, de legal, como se o seu único propósito fosse entreter. Contudo, traremos outro olhar sobre o brincar. A ideia é desconstruir a forma como a ludicidade habita o cotidiano dos professores. 

Brincadeira no desenvolvimento da criança

No mundo dos textos acadêmicos, termos como “lúdico”, “brincar” e “brincadeiras” já foram longamente discutidos, mas esse universo não é o mesmo das salas de aula e das crianças de verdade. Lá, a academia raramente vai e, quando vai, carrega uma visão simplória da brincadeira, consagrando seu lugar de acessório divertido no imaginário do sistema escolar. Neste texto, mostraremos o quanto o brincar é fundamental, imprescindível e determinante para o desenvolvimento infantil. 

Todos nós já experimentamos o prazer do brincar na infância, quando a imaginação é limitada somente pelo desejo de até onde sonhar. A boneca de pano que transita do choro ao sorriso e emite sons como um recém-nascido; o carrinho de plástico que faz o barulho característico de um automóvel em movimento e emite o som agudo trepidante ao fazer uma curva com grande velocidade estão presentes na imaginação das crianças, que as materializam verbalmente em suas brincadeiras de faz de conta. 

Da mesma forma, as crianças jogam futebol em um campo de várzea “ouvindo os aplausos e gritos de incentivo” de uma torcida imaginária, sussurrando exclamações diante da execução de uma grande jogada. Nesse contexto, elas verbalizam as falas de um narrador, também imaginário, que descreve com grande exatidão o evento esportivo. Assim, a criança transita entre o jogador, a torcida e o narrador, alterando a intensidade e o timbre da sua voz. Muitas vezes, a criança incorpora também o adversário imaginário por ela driblado com maestria. 

O desejo da criança de fazer coisas que os adultos rea­lizam no cotidiano a faz inventar situações para brincar daquilo que gostaria de fazer na vida real. No campo da psicologia, muitas teorias dedicaram-se à consideração do papel da brincadeira para o processo de desenvolvimento das crianças. Desde a psicanálise até as abordagens interacionistas, o chamado lúdico caracterizou o faz de conta como a possibilidade de que esses pequenos seres pudessem expressar a inconsciência e o egocentrismo que os distinguiam dos adultos. 

Nos caminhos e descaminhos entre a psicologia e a história, o historiador da família e da infância Philippe Ariès demonstrou que a consideração das crianças como pequenos adultos relegava a compreensão dos processos de desenvolvimento humano aos seus atributos externos. E assim, enquanto não alcançava o comportamento que a caracterizava como adulto, a criança ocupava-se de jogos e brincadeiras que, aos poucos, definiram o sentimento de infância. 

Com isso, as teorias psicológicas produzidas principalmente na Áustria e na Suíça constituíram a gênese das concepções que associaram a brincadeira a uma espécie de “passagem de tempo” que conduziria o egocentrismo infantil aos moldes do funcionamento psíquico adulto. Contudo, em uma abordagem diametralmente oposta, Anton Tchekhov, um eminente escritor russo e um dos maiores contistas do mundo, escreveu um belíssimo texto intitulado A brincadeira. Há muito tempo, em algum lugar da Rússia, Nadja Petrovna e seu amigo brincavam de deslizar sobre morros gelados, por cima da neve espelhada e escorregadia. 

O convite feito por ele para descer de trenó do topo à planície é grandioso, mas desperta medo. “Só uma vez Nadja, eu te suplico, garanto que vamos ficar sãos e salvos. Nadja acaba cedendo, como se cedesse à própria vida, e o ‘trenó’ voa como uma bala, o ar chicoteia o rosto, silva nos ouvidos, belisca com raiva, até doer, os objetos que nos cercam fundem-se num só longo risco que corre vertiginoso e eu digo a meia voz: eu te amo Nadja!”. No conto russo, dia após dia a brincadeira acontece no trenó, brincar de voar, brincar de ouvir e de dizer. “Aquelas palavras foram pronunciadas ou foi o vento?” Os encontros cotidianos de Nadja e seu amigo misturam a fantasia e a realidade e avançam vida afora até que qualquer reviravolta das circunstâncias os interrompe e separa. Pois é nesse contexto que Lev Vigotski – psicólogo, dramaturgo, conterrâneo e leitor de Tchekhov – cria as bases daquela que seria uma teoria do desenvolvimento humano oposta às tradicionalmente estabelecidas. Essa teoria considera o brincar como atividade constitutiva do psiquismo e a brincadeira como objeto-unidade que delimita a gênese dessa constituição. 

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Fundamentada em uma concepção materialista da história, a teoria de Vigotski explicita o papel das relações humanas concretas no desenvolvimento da consciência dos sujeitos. A atividade humana, compreendida como intencional e inserida em circunstâncias sociais específicas, atua, por meio da linguagem, sobre as determinações biológicas que promovem o desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Desse modo é que, para ele, a aprendizagem antecede o desenvolvimento. Isso significa compreender o desenvolvimento não como um aspecto espontâneo, orientado por princípios idealistas, mas resgatar sua gênese biológica alavancada por ações essencialmente sociais. 

 Assim, dessa perspectiva, a brincadeira é atividade essencialmente educativa e o brinquedo é o objeto, chamado por Vigotski de pivô, que organiza a possibilidade de desenvolvimento das funções essencialmente humanas do âmbito das relações concretas para a individualização do psiquismo. O trenó, tomado como brinquedo, deixa de ser apenas um trenó para assumir, no concreto pensado, o desenvolvimento da fala, do pensamento e das emoções – funções psicológicas superiores. 

Brincando de amar, aprende-se a amar. Porque, sim, as funções essencialmente humanas, inclusive as emoções, devem ser ensinadas. Todavia, os sentimentos não são um destino, que pode­ríamos apenas ter de suportar. O amor não se decide, mas se educa. 

Nesse sentido, o brincar é que permite viver e aprender a viver. As brincadeiras são, portanto, muito mais que simples atividades para passar o tempo e entreter a criançada. Elas alicerçam as aprendizagens dos elementos mais complexos de nossa psique e podem contribuir de forma inequívoca e inigualável para o desenvolvimento infantil. 

A brincadeira pode, então, ser considerada como uma fonte de energia que impulsa a criança na direção do seu desenvolvimento psicológico e cognitivo. Para Vigotski, “(…) a brincadeira cria uma zona de desenvolvimento iminente na criança. Na brincadeira, a criança está sempre acima da média da sua idade, acima de seu comportamento cotidiano; na brincadeira, é como se a criança estivesse numa altura equivalente a uma cabeça acima da sua própria altura. A brincadeira em forma condensada contém em si, como na mágica de uma lente de aumento, todas as tendências do desenvolvimento; ela parece tentar dar um salto acima do seu comportamento comum”. 

 Quando se olha a brincadeira pelo olhar da neurociência, seu papel imprescindível no desenvolvimento humano se revela até mesmo na fisiologia cerebral. Diversos estudos com crianças que foram privadas de brincar na infância, como aquelas que cresceram em orfanatos na Ucrânia ou outros países em situações de guerra, mostram que a ausência das brincadeiras está relacionada com a diminuição do volume cerebral, principalmente nas áreas ligadas ao processamento das emoções e empatia. Parece que a atrofia dessas áreas cerebrais e os prejuízos emocionais estão diretamente ligados à impossibilidade de brincar. Essas mesmas crianças, em sua vasta maioria, apresentam comportamentos agressivos e arredios. Com intervenções que simplesmente as fazem brincar, esses comportamentos são abruptamente reduzidos e até mesmo extintos.

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AS BRINCADEIRAS SÃO IMPORTANTES PARA O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA AS BRINCADEIRAS SÃO IMPORTANTES PARA O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA Reviewed by Adiléa Generoso on quarta-feira, fevereiro 27, 2019 Rating: 5

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